Atlântico, 20.6.75. 6ª feira.
Despeço-me, mais uma vez, de Portugal. Não me foi possível rever o Minho, estar com Luis Carlos, Conceição e irmãs, menos ainda de passar por Leça de Balio a fim de ouvir o silêncio da noite.
O giro pela cidade muda com os amigos do Porto, torna-se a perspectiva de outro tempo posta no futuro. Onde estará o planeta em seu caminho?
A despedida de Lisboa sempre se depara com o Chiado, a Brasileira, a travessia, afinal para dar o adeus à Praça de onde Fernando Pessoa seguiu para esquecer Lisboa “com as metafísicas perdidas nos cantos de cafés de toda a parte”.
Então, sem projeto, subi e subi à cata dos bares antigos e dobrei à direita para descer até o solo da Catedral atingida pelo terremoto. Estava sem companhia a lembrar do tempo de guerra, de Lisboa com Salazar, orando, por certo indeciso se devia ou não, em proteção dos nossos navios mercantes, ceder espaço em Ponta Delgada a fim de se varrerem os submarinos alemães do Atlântico.
Abaixei-me para apoderar-me de pequeno bloco com desbotado sinal de desenho, ali, provavelmente há mais de duzentos anos.
Não mais o deixei e pessoa alguma havia naquele vazio do passado que pudesse tê-lo como lembrança. Confundia-me em dois planos do tempo, esquecido de meu parceiro a perguntar-me o que eram aquelas meias ruínas.
Um quarteirão além da atual Santa Casa, o bar com pessoas sentadas, a beberem o terrível conhaque lusitano, nada sabiam e, no entanto, abrigava o poeta naquelas noites frias do decênio de vinte.
Assim correram a manhã e parte da tarde. Encontrando-me com Michael Fields no saguão do Tivoli, disse-me ele que eu me atrasara hora e meia para o encontro, mas que havia tempo. Eram três horas quando chegamos ao Pub em companhia de Amaral de Sampaio, sempre atento aos acontecimentos políticos.
Desse modo, o dia avançava tanto na rotação quanto na translação. Era preciso arrumar as malas, despedir-me de Ângelo de Almeida, agradecer mais uma vez o jantar de ontem no Casino Estoril, telefonar para Ana Elisa.
Apesar do cansaço, introduzi em minha viagem, por três horas seguidas, o exercício do self-rembering uma vez que fora intenso o passeio e minhas anotações no Diário são sempre garranchos porque feitas à noite.
Com relação a meu livro – Portugal-Ano Zero – concluí que estivera certo em não considerar válida a possibilidade de resultado comunista em sua tentativa de fingir-se propenso para acatar o sistema democrático.
Tudo se acomodaria por duas razões com as quais Ângelo acordara: Ao norte, forças contrárias, tanto populares quanto não, opunham-se ao comunismo e poderiam apenas suportar a experiência da social-democracia do modelo inglês; a influência política de Mário Soares seria apaziguada por sua prudência, e marxista, como se declarava, não se esquecendo de sua ambição política.
Por fim, o tradicionalismo português, invencível em termos cristãos e moderados.
O vôo, irregular, confundindo-me à noite com o malabarismo dos fusos horários. Nele, a gente sente a relatividade do tempo, pois, ora, é meia noite cá no Atlântico, e no Rio Ana Elisa e meus filhos estão a jantar, o que já fiz há quatro horas, cabendo-me considerar que pela manhã irei acordá-los cedo em caso de chegada a casa.
Por conseguinte, não sigo para o destino do presente e, sim, ao passado. Eis o paradoxo do movimento, revelando a sua universalidade e sua presença em todos os fenômenos naturais.
Retornamos aos gregos: o movimento como realidade ontológica.
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