Paris, 02.10.75, Quinta-Feira
Meu primeiro dia livre a permitir, só, tomar aquele café defronte ao Grand Hotel, recordar o passado da libertação em Paris e meus companheiros ingleses nuca mais vistos e jamais esquecidos.
Passo pela Opera e me dirijo ao escritório do Daily Telegraph, onde deixo o recado para Michael. Encontro após o almoço com D.Niomar e Giuliana, ajudando-me a fazer algumas compras por pedidos. Falávamos em italiano, pois sempre que sós, nosso assunto predileto eram memórias do estado de espírito genovês. Presente Michael, vinha-nos o respeito por virtudes britânicas.
Brasil: como a criatura admirável amava o Rio de Janeiro, residindo o casal na rua Osvaldo Cruz, onde o Flamengo misturava-se a Botafogo. Eu e Ana Elisa não perdíamos os seus almoços e jantares. Lá conhecemos Carlos Tavares, Benedito Moreira e respectivas esposas: ali morou Michael em derradeiros anos de correspondente.
Solitário pelo Boulevard des Italiens, por cujos cafés Anglais e Tortoni rolaram pobres e ricos como Oscar Wilde et caterva. Ele, abandonado pelos antigos admiradores, exibia a arrogância desesperada, que se mostrava complacente com o pobre diabo.
Mas os intelectuais franceses apenas o cumprimentavam; certo romancista encontrou-o no murmúrio de versos de sua Balada: I know not whether Laws be right, Or whether Laws be wrong; All that we know who lie in gaol Is that the wall is strong; And that each day is like a year, A year whose days are long.
Creio que Harris, o mais realista dos biógrafos de Wilde, tenha razão quanto ao impulso masoquista de seu amigo, preferindo cumprir a pena dos tribunais a fugir como ladrão. Porém, lembremos que sua depressão sempre esbarrava com o velho ponto de vista de que Paris bem vale uma missa.
O que não ocorreria com Sá Carneiro, ainda que este se mostrasse autêntico em sua desgraça, sabendo mesmo até suicidar-se. Era, porém, português, sustentava-se na subjetividade genial de seu amigo Fernando Pessoa. Mas tragédia viria tão depois que não adianta comentá-la.
Jantei no Le Lotti com Michael e Giuliana. Aquele abordava o tema ainda pouco estudado porque vigente. Tratava-se do sistema militar brasileiro que perdurava e era preciso estudá-lo sem preconceito, pois, do ponto de vista da economia, o País crescia no panorama da diversidade dos demais regimes.
O jornalista trouxera muito material e acreditava que o seu anfitrião sempre seria propenso ao compromisso histórico que eu adotara quando publiquei minha Consciência Conservadora no Brasil.
Sim, est modus in rebus, pois, procastinare lusitanum est, ou seja, é duvidoso que nossos líderes articuladores, no sentido que lhe deu Voegelin, são de fundo tradicionalista português, amenizado por toque pombalino. Não fosse o último, o que teria acontecido? A resposta reside na incerteza, estatística, como suporia Karl Popper no rumo de Schoredinger.
Eis, aí, meus amigos, em que dão tanto a estatística quanto a própria complementaridade. Deus nos acuda de tantos sofismas. Tudo isso é a chamada ciência, imaginem a filosofia.
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