Torraca Saqueada

XXIV

     Os fastos municipais e os registros eclesiásticos dão notícia do ataque francês ao burgo de Torraca, nos primeiros anos do Oitocentos, quando ainda os muitos ramos do clã setecentista faziam parte do mesmo eixo radicular, do qual resulta a ramificação monopodial dos ramos paulista de Jacareí e mineiro-fluminense de Campos e Carangola.

     No imaginário popular a versão ganha foros de mito pela circunstância seguinte ao ataque, após o saque, quando o incêndio teve início, destruindo até os bancos e a sacristia da Igreja. Sinal de tempo de tumulto e violência na região, dividida entre ocupação francesa e inglesa aliada a sicilianos. O que sobrava do imbróglio eram áreas não ocupadas por militares que também sofriam conflitos das facções civis e do povo enfurecido.

     Torraca estava próxima da luta que se travava entre os soldados de Bonaparte, comandadas pelo General Masséna, futuro Marechal da França e Príncipe d´Essling, acampadas nas imediações de Lagonegro, e próximas à Basilicata e Lauria.

     Do ponto de vista histórico, a versão está descrita nos registros de Nápoles. Nos primeiros dias do mês de agosto de 1806, um batalhão de soldados franceses aproximou-se de Serra Lunga, virando-se para o norte. Dois adolescentes que vinham de Olivella os identificaram, apressaram os passos e avisaram os habitantes armados que se acantonavam do lado de fora da muralha do Castelo. O tiroteio teve início ao escurecer. Uma dezena de franceses mortos, dois feridos entres os montanheses.

      O regresso do grupo assustou os moradores da comuna. Tiveram quase certeza de que os revoltosi voltariam para a desforra. Dois dias após, 4 de agosto de 1806, estando a Igreja repleta, pois era festa dedicada a São Domenico, fundador da Ordem dos Frades Pregadores, um citadino apareceu esbaforido, gritando que se aproximavam mais de duzentos franceses disparando os mosquetões. O tempo era escasso, pois em uma hora estariam chegando a Torraca.

     A retirada da população para as montanhas deu-se desordenadamente. Só Leonilda Campanella decidiu permanecer, pois acreditava que, grávida, seria poupada pelos soldados. Em vão os velhos Mercadante, Scarpello e Brandospia tentaram demovê-la do despropósito. Leonilda permaneceu em sua casa, sentada à porta, fazendo acenos de despedida aos conterrâneos que partiam.

     Ao longe, em ponto montanhoso da região de Tortorella, viam os torraquenses erguer-se a fumaça do incêndio. Os soldados da Revolução Francesa assassinaram Leonilda Campanella, esquartejaram-na, deceparam-lhe a cabeça que foi posta sobre um ramo de oliveira.

     Em proclamação, certa feita, Bonaparte assinalou as vitórias de seu exército de devastação. Necessário reproduzir o trecho inicial, pela franqueza do plebeu que renegou sua pátria para tornar-se Imperador de outro país.

     Nem todas os seus pronunciamentos foram ornados por frases de efeito. Uma delas, relativa à tomada de Mântua, é desonrosa: “Vocês, soldados, obtiveram a vitória em catorze batalhas, fazendo mais de cem mil prisioneiros, obtendo trinta milhões para o nosso tesouro público. Vocês enriqueceram o Museu de Paris com mais de trezentas peças, obras primas da antiga e nova Itália, que levou trinta séculos para produzi-las”.

     Com toda a certeza, a cabeça de Leonilda Campanella não foi incorporada ao acervo do Museu do Louvre.

Published in: on abril 12, 2008 at 4:22 pm  Deixe um comentário  
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